“Eu acho que a Cornélia foi um programa profundamente didáctico do ponto de vista político, não porque se fizesse lá política, até acho que se lá fez muito pouca política, mas porque se ensinaram as pessoas de que era possível sobre o mesmo assunto ter cinco opiniões diferentes e isto abria as pessoas que estavam em casa para também terem a sua opinião. Lamento que a RTP, que deveria ser um serviço público, não o faça todas as semanas.”, confessou Raul Calado à reportagem do “CS”.
C.S. – O que é que ainda recorda de positivo do programa a “ Visita da “Cornélia”?
Raul Calado – Há recordações espectaculares.
C.S. - Hoje viveu um dia diferente?
R.C. - Foi um prazer vir a Canas de Senhorim e voltar a encontrar pessoas amigas, porque a malta da “Cornélia” não se vê todos os dias. Da “rapaziada” que cá apareceu, fiquei mais amigo de uns do que de outros, a Lucilina, por exemplo, trabalhou profissionalmente comigo durante seis a oito anos, do Fanha fiquei muito amigo. Há outros ... do Assis Pacheco, com certeza, nunca me esqueço. É sempre um prazer encontrar as pessoas, mas seguramente alguns deles não os vejo há anos.
C.S. – A “Cornélia” modificou a sua maneira de estar?
R. C. - Não modificou nada! Eu sou realmente aquilo a que se chama um “desgraçado”, ou seja, fiz o meu curso do qual nunca me servi, porque em toda a minha vida trabalhei em publicidade. Eu achei sublime que as pessoas que foram à “Cornélia”, (há pessoas que não valiam nada e foram lá pessoas que valiam muito), eu acho espantoso, que pessoas que valiam muito mais do que eu, na minha opinião, tenham ido à “Cornélia” submeter-se ao meu julgamento. Está a ver.... . O Assis Pacheco era um poeta! O Fanha era outro poeta, grandes poetas, e foram à “Cornélia” submeter-se à modesta opinião de um modesto publicitário que nunca fez nada na vida se não anúncios.
C.S. – Isso marcou-o?
R. – Claro que isso marcou-me e ainda hoje me emociono. Penso que o júri da “Cornélia”, foi uma das razões fundamentais do êxito do programa, porque se fossem quatro jebos, as pessoas não iam lá submeter-se à alarvidade das opiniões que eles tivessem. Eu não estou a falar da minha pessoa, estou a falar dos outros quatro. E porque lá estavam os outros quatro é que pessoas de alto nível intelectual e cultural foram ao programa. O Arquitecto Keil Amaral não tinha participado se o júri fosse este ou aquele. Alguns concorrentes submeteram-se ao concurso porque acreditaram na capacidade, na imparcialidade, no discernimento daquele júri. Mas é emocionante para mim, na minha pequenez ter pertencido aquele júri. Eu acho que a “Cornélia” foi um programa profundamente didáctico, do ponto de vista político, não porque se fizesse lá política, até acho que se lá fez muito pouca política, mas porque se ensinaram as pessoas de que era possível sobre o mesmo assunto ter cinco opiniões diferentes e isto abria as pessoas que estavam em casa, para também terem a sua opinião. Lamento que a RTP que deveria ser um serviço público, não o faça todas as semanas. Esta semana que estamos a entrar devia haver na RTP programas altamente populares, altamente ouvidos, altamente engraçados ou altamente dramáticos, mas que fizessem o didactismo da democracia que é uma coisa que eu acredito. Primeiro – Se você pensar que somos o país do mundo que tem os mais graves acidentes de viação, eu diria a mesma coisa: deveriam haver programas altamente divertidos, altamente dramáticos ou altamente o que eles quisessem, mas que fizessem o didactismo do civismo na estrada, para evitar que sejamos o país com maior sinistralidade na Europa. Isto é verdade para a democracia em primeiro lugar e também é verdade para a educação cívica, é verdade para a educação musical, é verdade para tudo. A minha visão de serviço público é realmente uma coisa que sem violentar ninguém, divertindo até as pessoas, as eduque para serem cívicas na estrada, cívicos na vida do dia a dia, democratas, tolerantes, etc, etc. O serviço público é isto: é fazer bons programas, é fazer boa televisão, mas com este conteúdo, porque se não tiver este conteúdo não vale a pena. Privatizem - na e entrem na concorrência com os outros. Atenção que eu não estou a censurar as televisões privadas, estou a censurar a televisão pública, porque a televisão pública que eu pago e você paga deveria Ter um conjunto de compromissos para connosco.
C.S. – Vê alguma possibilidade de a RTP modificar a sua programação ou para isso seria necessário mudar a mentalidade dos nossos políticos?
R.- É muito complicado, nesta entrevista não lhe posso dizer. 1 - Seja qual for o governo a RTP não muda. Os governos não mandam na RTP o suficiente para puderem mudá-la. 2 – Qualquer que seja a administração que esteja na RTP, a RTP não muda. 3 – A Gestão não é de pessoas. Se eu fosse para Presidente da RTP não mudava nada. Não era capaz, não tinha força para mudar nada, ou seja a RTP é grande de mais, existe há tempo de mais e tem lá dentro interesses conquistados, lugares conquistados de mais para poder ser mudada. A RTP funciona em células. Não acredito que alguém a consiga mudar, agora era estimável que mudasse, isso era outro assunto. Neste momento está lá uma nova equipa, claro que o meu desejo é que consigam mudar aquilo, mas é claro que eu não acredito, não há hipótese. Não é uma questão de desejo, nem é uma questão de pessoas, há uma inércia monumental adquirida, gigantesca. Julgo que a RTP tem mais ou menos 3500 funcionários, no entanto funcionaria perfeitamente com 500 ou 600. Estes estão completamente submergidos pela onda de interesses dos outros 2900 que para não perderem a sua pequena parcela de poder, já mais mudarão. Eu acho extraordinário que toda a gente fala de que a RTP custa ao país muitos milhões por ano, mas ninguém vê que ela deveria fazer um serviço público. Mas o que é um serviço público? Ninguém sabe o que é e nunca foi definido. Este trabalho nunca foi feito e nunca foi tentado fazer. Na minha opinião a RTP, durante o tempo da ditadura, desde a fundação até ao 25 de Abril, funcionou bastante melhor do que depois do 25 de Abril. Sabia-se o que é que se pretendia e funcionava bem dentro disso. Depois nunca mais se soube o que se pretendia com a RTP. Os tipos sentiram-se todos órfãos ou descomandados. Agora eu não tenho na manga solução para coisas difíceis, mas para se chegar a alguma conclusão é preciso: 1º e durante bastante tempo discutir, saber o que se pretende com o serviço público, como é que ele pode ser feito e em que ele deve incidir. No meio deste contexto todo eu dir-lhe-ia assim: A Cornélia é um feliz acaso. Foi um milagre juntaram-se a boa ideia do Raul Solnado e do Fialho Gouveia, o júri credível e o facto de determinadas pessoas terem acreditado. Quando fui convidado para o júri não me disseram que eu tinha que fazer não sei o quê, apenas perguntaram se eu queria ou não entrar. Na Cornélia foi tudo espontâneo e por isso foi um milagre.
C.S. – A Cornélia surgiu na RTP no mesmo ano que a telenovela Gabriela, de Jorge Amado, caracterizando essa época televisiva muito positivamente. Concorda que a televisão estatal ainda não conseguiu ter tanta importância como nesse tempo?
R. C. – Repare, a seguir à Gabriela, é evidente que era difícil haver uma telenovela com o mesmo nível, porque o texto era de Jorge Amado, um bom escritor, com uma boa história e era uma novidade, isto também foi importante. Depois o que veio a seguir foi pior. A Cornélia foi a mesma coisa, foi um fenómeno. Todos os concursos que vieram a seguir foram piores. Eu hoje disse hoje aqui e é verdade, as pessoas já se esqueceram das coisas más da Cornélia, apenas se lembram do “sumo”, da “nata”, é disto que a malta se lembra.
helderambrosio./ Jornal Canas de Senhorim, 18/12/2001
C.S. – O que é que ainda recorda de positivo do programa a “ Visita da “Cornélia”?
Raul Calado – Há recordações espectaculares.
C.S. - Hoje viveu um dia diferente?
R.C. - Foi um prazer vir a Canas de Senhorim e voltar a encontrar pessoas amigas, porque a malta da “Cornélia” não se vê todos os dias. Da “rapaziada” que cá apareceu, fiquei mais amigo de uns do que de outros, a Lucilina, por exemplo, trabalhou profissionalmente comigo durante seis a oito anos, do Fanha fiquei muito amigo. Há outros ... do Assis Pacheco, com certeza, nunca me esqueço. É sempre um prazer encontrar as pessoas, mas seguramente alguns deles não os vejo há anos.
C.S. – A “Cornélia” modificou a sua maneira de estar?
R. C. - Não modificou nada! Eu sou realmente aquilo a que se chama um “desgraçado”, ou seja, fiz o meu curso do qual nunca me servi, porque em toda a minha vida trabalhei em publicidade. Eu achei sublime que as pessoas que foram à “Cornélia”, (há pessoas que não valiam nada e foram lá pessoas que valiam muito), eu acho espantoso, que pessoas que valiam muito mais do que eu, na minha opinião, tenham ido à “Cornélia” submeter-se ao meu julgamento. Está a ver.... . O Assis Pacheco era um poeta! O Fanha era outro poeta, grandes poetas, e foram à “Cornélia” submeter-se à modesta opinião de um modesto publicitário que nunca fez nada na vida se não anúncios.
C.S. – Isso marcou-o?
R. – Claro que isso marcou-me e ainda hoje me emociono. Penso que o júri da “Cornélia”, foi uma das razões fundamentais do êxito do programa, porque se fossem quatro jebos, as pessoas não iam lá submeter-se à alarvidade das opiniões que eles tivessem. Eu não estou a falar da minha pessoa, estou a falar dos outros quatro. E porque lá estavam os outros quatro é que pessoas de alto nível intelectual e cultural foram ao programa. O Arquitecto Keil Amaral não tinha participado se o júri fosse este ou aquele. Alguns concorrentes submeteram-se ao concurso porque acreditaram na capacidade, na imparcialidade, no discernimento daquele júri. Mas é emocionante para mim, na minha pequenez ter pertencido aquele júri. Eu acho que a “Cornélia” foi um programa profundamente didáctico, do ponto de vista político, não porque se fizesse lá política, até acho que se lá fez muito pouca política, mas porque se ensinaram as pessoas de que era possível sobre o mesmo assunto ter cinco opiniões diferentes e isto abria as pessoas que estavam em casa, para também terem a sua opinião. Lamento que a RTP que deveria ser um serviço público, não o faça todas as semanas. Esta semana que estamos a entrar devia haver na RTP programas altamente populares, altamente ouvidos, altamente engraçados ou altamente dramáticos, mas que fizessem o didactismo da democracia que é uma coisa que eu acredito. Primeiro – Se você pensar que somos o país do mundo que tem os mais graves acidentes de viação, eu diria a mesma coisa: deveriam haver programas altamente divertidos, altamente dramáticos ou altamente o que eles quisessem, mas que fizessem o didactismo do civismo na estrada, para evitar que sejamos o país com maior sinistralidade na Europa. Isto é verdade para a democracia em primeiro lugar e também é verdade para a educação cívica, é verdade para a educação musical, é verdade para tudo. A minha visão de serviço público é realmente uma coisa que sem violentar ninguém, divertindo até as pessoas, as eduque para serem cívicas na estrada, cívicos na vida do dia a dia, democratas, tolerantes, etc, etc. O serviço público é isto: é fazer bons programas, é fazer boa televisão, mas com este conteúdo, porque se não tiver este conteúdo não vale a pena. Privatizem - na e entrem na concorrência com os outros. Atenção que eu não estou a censurar as televisões privadas, estou a censurar a televisão pública, porque a televisão pública que eu pago e você paga deveria Ter um conjunto de compromissos para connosco.
C.S. – Vê alguma possibilidade de a RTP modificar a sua programação ou para isso seria necessário mudar a mentalidade dos nossos políticos?
R.- É muito complicado, nesta entrevista não lhe posso dizer. 1 - Seja qual for o governo a RTP não muda. Os governos não mandam na RTP o suficiente para puderem mudá-la. 2 – Qualquer que seja a administração que esteja na RTP, a RTP não muda. 3 – A Gestão não é de pessoas. Se eu fosse para Presidente da RTP não mudava nada. Não era capaz, não tinha força para mudar nada, ou seja a RTP é grande de mais, existe há tempo de mais e tem lá dentro interesses conquistados, lugares conquistados de mais para poder ser mudada. A RTP funciona em células. Não acredito que alguém a consiga mudar, agora era estimável que mudasse, isso era outro assunto. Neste momento está lá uma nova equipa, claro que o meu desejo é que consigam mudar aquilo, mas é claro que eu não acredito, não há hipótese. Não é uma questão de desejo, nem é uma questão de pessoas, há uma inércia monumental adquirida, gigantesca. Julgo que a RTP tem mais ou menos 3500 funcionários, no entanto funcionaria perfeitamente com 500 ou 600. Estes estão completamente submergidos pela onda de interesses dos outros 2900 que para não perderem a sua pequena parcela de poder, já mais mudarão. Eu acho extraordinário que toda a gente fala de que a RTP custa ao país muitos milhões por ano, mas ninguém vê que ela deveria fazer um serviço público. Mas o que é um serviço público? Ninguém sabe o que é e nunca foi definido. Este trabalho nunca foi feito e nunca foi tentado fazer. Na minha opinião a RTP, durante o tempo da ditadura, desde a fundação até ao 25 de Abril, funcionou bastante melhor do que depois do 25 de Abril. Sabia-se o que é que se pretendia e funcionava bem dentro disso. Depois nunca mais se soube o que se pretendia com a RTP. Os tipos sentiram-se todos órfãos ou descomandados. Agora eu não tenho na manga solução para coisas difíceis, mas para se chegar a alguma conclusão é preciso: 1º e durante bastante tempo discutir, saber o que se pretende com o serviço público, como é que ele pode ser feito e em que ele deve incidir. No meio deste contexto todo eu dir-lhe-ia assim: A Cornélia é um feliz acaso. Foi um milagre juntaram-se a boa ideia do Raul Solnado e do Fialho Gouveia, o júri credível e o facto de determinadas pessoas terem acreditado. Quando fui convidado para o júri não me disseram que eu tinha que fazer não sei o quê, apenas perguntaram se eu queria ou não entrar. Na Cornélia foi tudo espontâneo e por isso foi um milagre.
C.S. – A Cornélia surgiu na RTP no mesmo ano que a telenovela Gabriela, de Jorge Amado, caracterizando essa época televisiva muito positivamente. Concorda que a televisão estatal ainda não conseguiu ter tanta importância como nesse tempo?
R. C. – Repare, a seguir à Gabriela, é evidente que era difícil haver uma telenovela com o mesmo nível, porque o texto era de Jorge Amado, um bom escritor, com uma boa história e era uma novidade, isto também foi importante. Depois o que veio a seguir foi pior. A Cornélia foi a mesma coisa, foi um fenómeno. Todos os concursos que vieram a seguir foram piores. Eu hoje disse hoje aqui e é verdade, as pessoas já se esqueceram das coisas más da Cornélia, apenas se lembram do “sumo”, da “nata”, é disto que a malta se lembra.
helderambrosio./ Jornal Canas de Senhorim, 18/12/2001
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